Um amor vale mais que todas as aulas
Um amor vale mais que todas as aulas
Algures, nos bancos de trás de um autocarro com ar condicionado, entre beijos sonoros e risos não contidos, um casalinho de jovens namorados cola pedaços de dois futuros para os transformar num só.
- Oh môr, tu sempre vais deixar a escola?
- Vou môr, tou farto daquilo!
(ela afaga-lhe o cabelo)
- Olha, e sempre vais pr 'aqueles cursos?
(ele bufa acalorado)
- Pá vou! Vou pr'artes!
(ela afasta-se para o olhar de frente)
- Pr' artes?! (incrédula) Pr'artes, môr?
- Ia (lacónico)
- Oh môooore... (vozinha melosa) Eu não queria namorar'c’um gajo'd’artes! (abraço derretido)
(ele suspira e vira a cara para a janela, ela continua)
- Por que não vais antes'p’ra informática?
- Pá, pode ser, sei lá! (voz rude, impaciente com a demora da viagem)
- Tu não gostas de computadores?
(beijo)
- Gosto, môr!
(abraço)
- At...o… (à espera da certeza)
- Tá decidido, vou pra informática! (a voz firme) E tu? Também podias vir! (vira-se o fei...iço…)
- Oh m...ooore… Tu 'abes qu’ eu não curto nada informática!
(curto e grosso)
- Hum… (ainda não rendido) Se viesses, era fixe! Eu passava pela tua casa, íamos os dois juntos pró curso, ficávamos os dois num computador, eu ajudava-te naquela cena... Almoçávamos juntos. Depois de tarde íamos outra vez pró curso. E depois eu levava...te a casa… Era fixe não era!
(desfiadas as vantagens da informática, ela pensa duas vezes)
(ele aproveita e lança o derradeiro argumento)
- Pá, mas o melhor é que se eu não tivesse aulas tu também não tinhas! E assim nem precisávamos de faltar!
- Oooooh, mas eu não curto informática, môr!
- Pá, pronto! (definitivamente rendido) Então vai pra hotelaria!
- Oh (torce o nariz), hotelaria?! Achas q’eu já não me esfolo que chegue a trabalhar no tasco da minha tia? Hotelaria, tu é que encantas! (zangada)
... Pronto môr… (abraços e miminhos) Então tu continuas na escola!
(ela retribui os carinhos)
(ele apaga os planos anteriores e redesenha o futuro)
- Fazemos assim: eu passo na mesma pela tua casa, levo-te à escola e depois vou pró curso. Pá, podemos almoçar na mesma os dois juntos. Até podemos ir ao tasco da tua tia, fica mais barato! (risos) Depois eu levo-te à escola e vou p'ó curso. O qu’é que achas?
- Tá fixe! (sorriso) Mas olha lá, sabes que tu nesses cursos podes escolher se queres ter ou duas manhãs ou duas tardes livres?
- Ai é? (incrédulo com tanta beneficência)
(ela acena afirmativo com a cabeça)
- Então melhor! (a felicidade a transbordar pelos olhos) Sabes o que podemos fazer? Se tu tiveres mais aulas de manhã, eu escolho as tardes, se tu tiveres mais aulas de tarde, eu escolho as manhãs! Se mesmo assim não der pra ter tempo pra ficarmos juntos, pá, falta-se às aulas!
(Andreia Lobo; Jornal "a Página", ano 12, nº 125, Julho 2003, p. 14.)
Dewey dizia que deveríamos orientar as actividades escolares para motivar e construir alunos interessados… agora, em relação a este artigo, há muito para além disso, mais que alunos sem motivação.
Estes alunos não conseguem fazer com que o amor coabite com a educação, apesar de poderem coexistir em conjunto. Não têm a real noção da importância da cultura e da instrução no sucesso futuro das suas vidas.
Em primeiro lugar, as suas motivações extrínsecas não devem ser muito “famosas”, e mais ainda, as intrínsecas não devem existir. Isto porquê? Porque o tipo de instrução que recebem não despoleta neles a vontade de serem eles próprios a impulsionar a sua formação.
Em segundo lugar, mesmo querendo fazer outras opções a nível do ensino, não existe nada de palpável para que obtenham uma orientação escolar a seguir, fazendo com que possíveis opções a tomar girem em torno de algo que transcende as suas reais aptidões, sendo assim o sucesso para eles é uma palavra que pode, desde já, afastar-se dos seus dicionários.
Por último, na própria escola não parece haver espaço para serem desenvolvidas as emoções, mesmo as do foro afectivo, o que lhes retira a motivação para lá continuarem.
Pensa-se pois que a escola não está a ajudar a encaminhar os seus alunos, não lhes transmite interesse, a qualquer nível que seja, e se continuarem na escola, só o farão porque “tem que ser”, e não porque lhes dá prazer…